quarta-feira, 4 de julho de 2012



Viajante Urbano

Era um garoto à procura de um santuário para guardar seus segredos mais íntimos. Observaram-no de longe, muito longe, e havia tanta dor, tantos desejos recônditos. Ele os pôs em prática. Triste sina, um viajante solitário a andar em círculos, sempre ao redor de si mesmo. Ah os segredos, quando habitam o ego não há mais volta, sobrevivem de sopro! Não me disse nada, cabia ler cada ato e pedir ao meu amigo para escrever essa tese da vida alheia. Um bar seria o lugar ideal para encontrá-lo, sua loucura era acreditar ser um vampiro juvenil, encontrar pessoas perdidas, carentes, frágeis, ressentidas, todos ansiosos por afetos num mundo em que o próprio teatro é o dos vampiros. Bebidas e conta paga. O que importa se somos escravos do sistema, escolhemos onde queremos atuar. Na vida mundana a liberdade é grande, o preço justo. É difícil ser você mesmo, um dia você acorda e pensa sobre o que fez no ano passado, a resposta nunca é encontrada, entretanto, os atos solidificam-se. Aquele garoto não aprendeu nada, queria viver como o nobre numa terra de plebeus. Pergunte ao meu amigo de que maneira o fazia, apenas testemunhei. O mínimo que posso entender é que “não se pode servir a dois senhores”, e explico: não é possível ser você mesmo e ser outro, a ciência de manipular destinos não ensina a curar dores. Vide verso.
Quando não se entende a matemática dos erros, os ensaios ficam fragmentados, fui coroinha e sei rezar o terço, nenhuma doutrina me enobrece, religião não envaidece, nunca fui alcoólatra, o alcoolato fez-me saber a medida da alcoolometria. Vício é vício, não tem prescrição. Meu amigo relatou tudo:
 - Aceita uma bebida?
 - Sim, por favor.
Um olhar astuto dirigia-se ao rapaz atencioso e gentil, um cavalheiro à moda antiga. Sabia que alguma coisa estava acontecendo entre eles, chegada e partida era a vida daquele mancebo.
 - Vou preparar um especial para o senhor.
 - Está bem, confiarei em seu talento.
Ao se tratar de confiança, leia-se “confio em mim”. Era essa a primeira lição inesperada entre ambos. A bebida estava saborosa, outras pedidas foram fervorosas, a clientela crescente, propaganda de boca em boca é a alma do negócio. Contratado:
 - Sou o dono desse recinto, sinto muito em lhe informar que apreciei suas bebidas, também sou um degustador nato, nenhum encontro é casual, não é mesmo?
 - Não entendi, senhor.
 - Entendeu sim, garoto, vamos para as próximas etapas, do começo não se sabe o fim dos sujeitos, sabem-se passantes.


Manuela Barreto (Brasil)

Sem comentários: