sexta-feira, 3 de agosto de 2012



As palavras pela casa

“...su vida junto a los dioses y su intimo impreciso en el fuego lento de la última palabra.”


Todas as suas palavras estavam pela casa, diluíam-se no medo de serem ouvidas. Fugiam a esconder-se nos cadernos fugindo do pavor de serem lidas. Ela tinha gavetas e gavetas cheias de palavras, ela tinha cadernos e cadernos de apenas palavras, palavras muito ordenadas, muito guardadas. Ela tinha cómodas com gavetas, cómodos e cómodos de cheios de cómodas com gavetas. Todas elas com palavras, com papéis cobertos de palavras, com tinta corada de sentidos. Tudo eram palavras escondidas, mas nem sempre o tinham sido. No acto da sua criação, todas elas foram palavras livres. Todas em busca de se prenderem aos papeis para se libertarem nas mentes em cores, perfumes, sensações, em imagens a todas as dimensões.
Ela vivia agarrada pelas palavras a vida das palavras, dormia com as palavras em sonhos espalhados por todas as narrativas. Eram cadeias e cadeias de palavras presas a uma mesma estória. Um enredo de palavras que se enredava na memória. Por vezes, as palavras dormiam em tramas complicadas e acordavam em almofadas de suspense. Eram palavras com ascendente, palavras que trepavam até ao cérebro do leitor, palavras fortes que se repercutiam até o subjugar. Eram ideias como elos encadeados numa teia de palavras iguais a elas.
Nunca aquela mulher soltou uma palavra que não fizesse correr tinta. E todos os papeis que dela se aproximavam, não passavam sem passar por uma mácula de tinta fresca. Tinta torrente de ideias, como cachos de uvas inchados de promessas de vinho novo, um néctar de palavras sumarentas e inebriantes. Nos momentos de musas, as suas palavras dançavam em redor das ideias, poisavam sobre o papel em laivos de uma tintura azul e desenhavam passos de dança em riscos transversais. Noutros, dias calmos, ela escutava apenas o som das palavras, deixava-as vir de mansinho embalar o seu sono nos braços da imaginação. Despertava no limbo da fantasia, ao som dos chilreios das andorinhas que a cumprimentavam, num bater de asas, arriscando um cruzamento acrobático. Então, ela esquecia a ortografia as palavras e acariciava-lhes a sonoridade, adulterando-as para as poder decompor em notas de diversas tonalidades, recompondo-as por fim em acordes suavemente matizados – apenas silêncio e ritmo.


Joshua Magellan

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