quinta-feira, 30 de agosto de 2012


Gastronomia molecular

Agora me lembro da boa da dona Fifi que, ao levantar voo, perdeu a dentadura e só a encontrou no dia seguinte, na cozinha, colada aos dentes de um bife-sola caseiro. A festa do reencontro foi larga e demorada, um beijo em cada dentada; a comezaina foi farta e prolongada, com a prótese dentária sentada à mesa do rei. Num dos cantos da sala, jazia um copo redondo onde ainda se podiam ver estilhaços de um bolo de um rei-presidencial meio salivado no bordo da fronteira. O destroço teria sido cuspido na altura do acidente por instinto fatal. Dizem as testemunhas que foi sem peso na consciência, só para agredir um certo biltre traidor à mátria em fuga para Leste. À dona do copo de água até lhe saltou uma mola de aço inolvidável, quando sentiu do amargo da notícia. O valete de copas ficou tão altruísta com a situação que, se tivesse ali uma pistola, não hesitaria em doá-la aos amigos dos inimigos do alheio, que a usariam para intimidar os assaltados por dúvidas. As armas têm uma grande pontaria, na ponta são boas amantes porque resultam de uma plasticidade razoável, segundo a filosofia de Sun Tzu. Por isso, todos os amigos da sabedoria se sentem sábios, quando têm uma arma na mão – é como que se vivessem num estado afectivo de concubinato duradouro, pacífico e auto-infligido, numa relação com um karma letal. Todos os amigos da ciência têm a palavra técnica nos lábios roxos de provar o sabor da cisão do átomo e os efeitos colaterais das bombas de hidrogénio.


Joshua Magellan

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