terça-feira, 8 de junho de 2010

SEMANA DO EROTISMO I


Pensamentos de uma amante chamada Inês

Acho que nunca soube muito bem ao que vinha. Acho que não encontro retorno. Acho que me habituei. Acho que não sei ser outra coisa. Acho que isto talvez seja o que sou. E afinal, o que somos todos? O que fazemos ou o que sentimos? Qualquer das hipóteses me torna nada, ou demasiado suja para ser. Será que só isso me define? Ou poderemos um dia ser apenas o que queremos? O dia em que ninguém mais nos calará. O dia em que ninguém mais nos atirará para a terceira idade dos 23 anos, com a dor e o peso de se ser velho cedo de mais. O dia em que ninguém mais, para além de nós, nos fará sentir o que somos.
E se hoje te dissesse tudo isto? E se hoje te dissesse: não voltes! Gritá-lo quando entrares por essa porta, tu, um careca que cedo será decrépito e que gosta de mim somente para me mostrar: o pedaço de carne que o rejuvenesce pelo lapso de gerações que nos separa. Feira de vaidades e medo de envelhecer. Prometo não te dizer que se calhar nem tens assim tanta importância, que não foste tu que me ensinaste a vestir, a maquilhar, a ser inteligente, a ser bonita, a foder. Prometo fingir que cresci por causa de ti. Sabias que sei que sou eu como podia ser outra qualquer? O meu nome é Inês, mas uma Marta, uma Irene, ou uma Luísa seriam exactamente o mesmo prolongamento para o teu esperma.
Ainda assim sorrio sempre que entras, e se te peço ajuda só me respondes com a sugestão de um broche. Eu encho a boca e esvazio a alma. Dão um nome a isto quando se recebe dinheiro no fim, sabias? E eu, nem dinheiro, nem carinho, nem amor. Amor...? Amas-me e deixas que me envolva com outros, porque "é a minha natureza". A tua provavelmente é não sentir e ordenar, e achar estranho o meu não saber. É ser um tão magnânimo ensinador. Um dia, trocas-me por uma virgem e acho que me vais chamar de putinha, quando me lembrares com os teus amigos numa noite de copos. Será que não o fazes já? Gastei toda a minha juventude na ilusão de ser. Hoje, acho que saio por essa porta assim que entrares e nunca mais volto. Juro que só vou dizer adeus, nada mais. Quando chegares eu talvez não esteja aqui. Quando chegares, eu juro, hoje é a última vez.

Virginia Machado

Sem comentários: