sábado, 19 de junho de 2010

Crónica Benzodiazepina


A Força Do Sorriso

Há momentos em que a vida nos veste com uma roupagem que não é nossa. Veste-nos com circunstâncias onde não nos revemos por um só segundo. Com um vestido em crochet, urdido por uma tia afastada, com quem não simpatizamos e cuja escolha cromática abominamos, mas que, por sermos pequenos, somos obrigados a vestir. Ninguém sabe que sentimos cada volta daquela agulha sobre a nossa pele, que sentimos o efeito nefasto de cada cor escolhida no diafragma dos nossos olhos, mas… é essa a tela que nos cobre o corpo. Olhamos para o espelho e o que persiste é aquilo que nós sabemos ser e não a forma como parecemos. Olhamos para a vida, certos de que somos quem somos, independentemente de como somos obrigados a agir, ou a não agir, que é igualmente uma acção.
Nestas alturas, muito depende da certeza de quem somos. Do quanto estamos certos de estarmos certos e da nossa capacidade de estarmos certos disso mesmo!
Marguerite Yourcenar escreveu “a morte, para me matar, vai ter que ter a minha cumplicidade”. Pois acredito que a vida, para nos quebrar, tem que contar com a nossa cumplicidade. Mesmo quando as coisas não nos correm de feição, enquanto conseguirmos manter um sorriso, estamos a ganhar. Estamos a sorrir com a noção que o tempo sara tudo (ou quase tudo). Sorrimos, porque não permitimos que o negro que cobre o céu ou o corpo, nos apague a certeza do sol que se esconde por detrás desse manto ou da energia que se acumula no nosso interior.
Alguns, talvez distraídos, ou pouco experientes em matéria de dor, poderão pensar que um sorriso, em certas circunstâncias, será uma demonstração de inconsciência. Eu interpreto-o como uma demonstração de força.
Tenho vislumbrado, esse sorriso, em muitos rostos marcados.
Em frente à minha casa há um discreto jardim público aberto vinte e quatro horas. É um jardim muito bonito, pouco visitado. Ao anoitecer, da minha janela, vejo os sem abrigo a chegarem, para lá pernoitarem. Vêm um a um. Chegam silenciosos, caminhando devagar, sem stress. Também eles, discretamente. Muito raramente falam entre si. Mas, por várias vezes, já os vi sorrir.
 
Lucinda Gray

Sem comentários: