sexta-feira, 27 de maio de 2011


Da torridez de um exame

Aquelas palavras. Soam-me num baque surdo, ainda, na minha memória, uma gaveta velada por espectros do passado. “Ce n’est point dans l’objet que réside le sens des choses, mais dans la démarche.” Saint-Exupéry que me perdoe, mas o olhar de Brigitte ao som destas palavras, naquela tarde tórrida de Julho, deixou-me a transpirar. Até as paredes cinzentas da sala de aula insípida do bafio se tornaram fervorosas e um odor a desejo e paixão carnal invadiu-me as mãos, a boca, os sentidos. Sugava-me numa pulsão incontida. Os olhos dela penetraram nos meus, clamando um ardor desesperado de ternuras irreais. Sorriu fugazmente num misto de provocação e insinuação que me fez antever o frémito da loucura. E deixou-se entrever, em contornos esboçados de um decote cinzelado por mão de artista, aquela Afrodite que se oferecia num silêncio de emoções e num grito de sentidos. Eu imobilizara, entretanto, com a percepção desse momento. E desesperava com a compostura de um cárcere. Ela continuava a lançar um olhar quente que me gelava os nervos sensitivos, enquanto Saint-Exupéry insistia em sobrevoar os meus pensamentos, numa ânsia estranhamente centrífuga.

Nem a perspicácia de um Holmes poderia desvendar as razões que me aprovaram à disciplina de Francês nesse dia.

Agosto. Ardente como as nossas bocas e mãos sequiosas. A tarde, cúmplice dos amantes, passou-se esquecida a beber o sol no meu terraço branco, em homenagem ao dolce fare niente. Numa candura de jovem imberbe perdida há muito, de tronco desnudado, eu sorvia nervosamente uma limonada gélida quando Brigitte parou em mim o seu olhar exasperadamente fogoso. Emudecemos ambos. Até que o sol se foi. Como Brigitte.
Nessa mesma noite, moldada por um céu belo de estarrecer, os meus passos levaram-me sem sono ao farol, sentinela esquecida no meio de rochedos insensíveis. Encontrei-a sentada nos degraus da porta, de ar felino e predatório, que contrariava a placidez diurna perante os alunos, envergando um vestido fino vermelho que denunciava as formas dos seus seios, do seu ventre, das suas coxas. O grito da natureza de novo me aturdiu, atingindo-me como um raio. O sangue fluiu. E aquele seu odor mesclado a baunilha e alecrim chegava-me ao corpo. Ela não disfarçou a sensação que experimentou do meu desejo a tocar-lhe na pele. Brigitte era uma feiticeira indomável e dominadora, que me perseguiu nos sonhos durante muito tempo.


Berenice Greco

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