domingo, 1 de maio de 2011

NO DIA DE TODAS AS MÃES... (IV)


No rasto de ti

Saber que estás aí e pensas em mim, saber que te vais e nunca partes deste mundo, é saber de cor o toque da tua mão derramando ternura sobre a minha cabeça, é saber o sabor do teu regaço debaixo do meu cansaço.

Como somos estreitos na dor que nos pesa e doemos ao ter de ver partir e ficar, como quem nos leva um pouco de nós e é esse mesmo nós também.

Ficaremos para sempre de mãos enlaçadas ao castigo de nos termos tido um ao outro, de não nos podermos esquecer de ser um e o outro, depois de passarmos a ser um sem o outro.

É deste modo a criação, que nos constrói imperfeitos cadáveres em bolandas entre a tragédia e a vida – a morte não é mais do que o destino e sempre a mesma sorte.

E de resto, apenas a dádiva de nascer, apenas a promessa insuspeita da lembrança aturdida, a ténue memória do que nunca fomos realmente, para além de nos concebermos em quimeras.

Tudo é destruído em cada acto humano, a vida e a morte são dois palhaços de rosto ensanguentado: o que ri e o que chora, mas de ambos escorre o desgosto.

Uma urna em braços sem força, num tormento sem desvio, direita ao início do mundo, adivinhando a ressurrreição de uma nova era, já antiga e sempre adiada.

Os passos do povo caminham pelas ruas tristes e os candeeiros debruçam-se à passagem da morte pelo caminho que foi de outra vida além, noutra cidade, por outras ruas, ainda mais tristes, onde os candeeiros se confundem com a noite.

É sempre um séquito arrastado e sombrio, o que nos acompanha pela estrada afora, uma turba de gente anónima em cantata mole a aliviar o pânico do futuro sobre uma calçada de lágrimas emperdenidas.

Tudo nos castiga: é o contágio dos prantos exacerbados pela presença do não-espírito; é a voz congestionada pelos nós que se nos atam à garganta; e é o sal a derreter sobre a face fresca da maresia.

Secam as árvores e ficam as folhas tombadas, memórias ao cair ininterruptas e pesadas, sobre as pausas da voz – momentos de silêncio entre o ulular intermitente da tempestade e o agitado restolhar das folhas das árvores cansadas.

Em todos os momentos, é a queda bruta da espada sobre o teu filho, um rei viajado no tempo a carregar sobre Dâmocles e este entre a dúvida e a certeza do mito.

Somos entre a vida e a morte, o fim só não existe para os deuses, porque os deuses somos nós que os criamos e vivem porque nós os velamos e revelamos, até se instalarem mansamente.

Os homens não nascem deuses, mas os deuses nascem homens e estão ubiquamente por onde o bem e o mal se espalham, em estilhas de si próprios - são violências projectadas contra as paredes do medo.

Por isso, existirão sempre paredes caiadas com o rubro nosso sangue e uma montanha de mágoa por cima de nós a encher-se de saudade, até transbordar as crateras de um vulcão.

Como aquele dia escuro, a fazer lembrar a perda que achamos em todos os dias escuros; como aquele dia em que te foste...

Continuo a procurar-te, Mãe! E de ti, apenas acho o rasto no brilho do céu e segues estrela por onde o meu olhar não abarca.


Joshua M.

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