quarta-feira, 4 de maio de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS (III)


Ir além do desespero...

A sala de espera era exígua. Sentada numa cadeira desconfortável, fechei os olhos tentando abstrair-me da cacofonia geral. Queria não pensar, estar em branco, em silêncio, mas a algazarra não deixava que a minha alma se apartasse para um lugar sossegado. A desesperança tinha-me entrado na alma e eu não sentia forças para a combater. Abri os olhos. Na cadeira à minha frente uma velhota pequenina, aparentando uma idade impossível, dormitava. Mesmo repousando, ou talvez por isso, parecia transmitir uma aura de paz, de sossego. Mirei-a com atenção. Tinha os cabelos muito brancos e muito ralos. O rosto engelhado, sulcado por rugas profundas e pequenas cicatrizes, deixava adivinhar uma vida dura. As mãos calejadas aninhadas no regaço mostravam, também elas, marcas da idade e de uma vida de trabalhos pesados. Quando olhei de novo o seu rosto, um espanto indizível tomou conta de mim. Os seus olhos, belos, meigos, serenos, cheios de luz, eram a total antítese do seu corpo.
“Sente-se bem, minha filha?”, perguntou com um leve sorriso.
“Acho que sim” respondi hipnotizada pelo seu olhar vibrante e transbordante de ternura.
Olhou-me enigmaticamente. “Não está bem. Tem na alma uma tristeza sem fim, um abandono, uma dor profunda, uma queda iminente e fatal”.
Queria poder chorar, mas as lágrimas tinham secado. Esforcei-me por sorrir. Os seus olhos têm uma luz quente, têm um brilho especial e, no entanto, tem já tanta idade e parece ter sofrido na pele todas as amarguras do mundo.
Sorrindo, “É verdade, padeço de todos os males. Nenhum, contudo, me derruba. Chamo-me Esperança, e a menina?”
Nisto um miúdo tropeçou em mim e num impulso segurei-o para que não caísse. Quando olhei de novo para a velhinha, a Esperança, já não a vi. Desaparecera. Olhei em volta, fui à porta, espreitei para a rua e nada.
Sentei-me de novo. Ter esperança não é fácil, é um caminho longo e sinuoso, é uma vitória sobre nós mesmos, sobre a vontade de desistir, a vontade de ficarmos cheios de pena de nós próprios. Ter esperança requer esforço e paciência. Para a alcançarmos precisamos de ir além do desespero.


Missanga (Lisboa, Portugal)

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