quinta-feira, 12 de maio de 2011


Ressaca moral

O problema é meu, dizem. Que isso de achar as mulheres mais velhas demasiado cínicas e as mais novas demasiado idealistas é um disparate. Longe vão os tempos em que acreditava que duendes mágicos ainda nos poderiam bater à porta e nós, frenéticos de emoção, poderíamos sussurrar-lhes uns quantos desejos que nos seriam concedidos. Que ingenuidade. Que mentira atroz.
Contudo, não me parece que seja insensível, rude, impassível ou que siga o meu caminho imperturbável. Houve apenas uma qualquer alteração química algures na voragem do tempo que me aumentou o nível de acidez. E é assim que se começam a forjar emoções, alimentando-as muito além do limite da razoabilidade. Pode-se forjar a paixão, regar o estado crepuscular do encantamento, brincar aos impulsos e empurrar o baloiço da emoção, lançando-nos num vaivém emocional que tanto tem de poético como de falso. Mas é um teatro. Um teatro com requintes de uma orgia de personalidades que vão entrando e saindo de cena com as características próprias dos relâmpagos. Intensos, brilhantes... e fugazes.
E começa sempre da mesma maneira. Com a minha face de sobrolho erguido frente ao espelho a perguntar-se se estará bem para entrar em cena. O perfume que exalo anestesia o ar como se de um afrodisíaco se tratasse. Cada pedaço de pele, se arrepia. Cada gota de sangue, ferve. Inventam-se palavras glamourosas de saudação. Criam-se espaços homogéneos onde personalidades se tocam por acidente. Cada toque, um aceno. Cada aceno, um sorriso natural. Uma empatia. Uma cena já desenhada. Depois o teatro fervilha. Amontoados de corpos inflamam-se. Piromaníacos sensuais estão prestes a lançar o maior incêndio da história. Mas à primeira faísca, uma tempestade ensopa cada acendalha, cada fósforo perdido... E o teatro vive, então, enfermo... em ressaca moral.


Bruno Vilão

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