quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

SETE DIAS VEZES POESIA (III)


BIBLIOTHÈQUE EN FEU 

- à Ó da Lisca -

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca

em prateleiras de mel que escorrem para quem amamos
e de dentro das sedas que lambem os livros respiras tu
em eternos sopros de dádiva e saber
em cascos húmidos de humanidade

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
com livros livres de lombadas e paginação
perto das memórias intemporais do amor
em que se cedem cópulas alquímicas e misteriosas

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
em que se a cuidas, casa-alma, dita-la para mim
e o graal surge, em forma de beijo
imponente, cristalino, honesto e unicelular

(são as salivas dos livros que não li e me mostras
os desejos de sorver o palato da tua biblioteca)

e sem falar mais de livros,

falemos de amor…

aquele tabu em que se diz nada se poder definir

pois eu defino o que sinto na saliva das palavras - simbiose comunicacional - que o amor sou eu
em forma de nós
como um copo de mar sem peixe
como um copo de mar com peixe
como mares sem ou com copos

porque o graal eu descobri
é seda preta e distinta, no recolher sóbrio dos teus medos
na conversão una das tuas expectativas e desejos

ensejo então fundir
abraçar a morte física como gás que respiras

porque posso

porque sim

porque quero

- lembra-te que sou alquimista –

e da distância faço a cama de lavado
e dos ossos obtenho abraços
e de todas as bibliotecas de todas as existências em todos os mundos manda o amor

e o amor sou eu

e eu apanho a natureza no coração com uma rede indestrutível
e sôfrego toco-te um dedo
o dedo sensível com que intuis as coisas do mundo de todos os mundos

e se há mundos que desconheces, eu - alquimista-bibliotecário -
dilacero o peito

rasgo-me ao meio

sou um corpo-casa da alma-biblioteca

lê o que quiseres

tirem-te o pão,
tirem-te membros,
tirem-te alegria,
tirem-te o que amas, tirem-te a luz
e a esperança, tirem-te o riso e aquilo a que chamas de vida,
tirem-te. a ti.

façam o que fizerem, tirem-te o que te tirarem,
nada disso conta
pois vens a meu peito aberto e lês o que quiseres



e se nada nessas palavras te afagam
encosta o teu rosto ao sangue quente do meu peito
e segredar-te-ei que te amo

que tu és tu

e que és quem amo

livro de mim

livro de ti

livres em nós,
no amor universal


Miguel Barroso

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