sábado, 9 de outubro de 2010

Crónica Benzodiazepina


Sete mares de diferença

Entre o bonito e o Belo existem sete mares de diferença. Mais oceanos houvesse neste mundo, entrariam eles também na contabilidade dessa distância.
Há quem confunda o significado destas duas palavras. São primas, é certo. Mas, à semelhança das relações familiares, entre primos, ou irmãos, trata-se de duas naturezas próprias e distintas.
Enquanto que, no bonito, se pressente o ar familiar do Belo, já neste último, nada há necessariamente de bonito. O Belo é Belo e nada mais! Qualquer acréscimo só o diminui.
O Belo nasce frequentemente do feio, tal como o cogumelo ou a trufa brotam de matéria orgânica em decomposição. Assim, é das circunstâncias mais dolorosas, mais frágeis, do quotidiano que, em pequenos/grandes gestos ele se revela.
O Belo, nos nossos dias, encontra-se mais próximo do absurdo do que de qualquer outra coisa que lhe queiram chamar. Conceito perdido no tempo, tal como o Amor, que, pela vulgarização do uso do seu significante partilha desse absurdo contemporâneo – “eu amo batatas fritas”.
Quanto ao Belo, não estou certa de ser capaz de o explicar. Sei apenas que sou capaz de o identificar aqui e ali.
Do bonito e outros demónios, todos sabem. Entre fisionomias mais ou menos requintadas, corpos esculpidos a cinzel, garrafas ou candeeiros design, ou então sorrisos convenientes, roupa acompanhada por um bom penteado, ou ainda, uma atitude politicamente correcta… tudo isto é bonito. E, para que conste, não o estou a menosprezar. É importante rodearmo-nos de coisas bonitas. Ajuda a levar o fardo do dia-a-dia. Ajuda a esquecer a morte, presente em cada tic-tac dos nossos relógios.
O Belo não. Senti-lo ou percepcioná-lo justifica-nos a existência e a dos outros também. Se calhar, só o pressentem aqueles a quem o bonito não basta. Aqueles a quem o fenómeno de respirar não seja, por si só, suficientemente satisfatório, suficientemente justificativo para tudo o que o acompanha.
A vida, para alguns, não é um valor absoluto.
 
 
Lucinda Gray

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