sexta-feira, 22 de outubro de 2010


O Homem Entrópico

Há muito ruído, há sempre ruído, dentro da minha cabeça, ao lado e por fora. Em toda a volta, como um halo celestial de espinhos aguçados e ruidosos. O ruído é imenso e estende-se a todo o corpo, vibram-me os órgãos mais vitais, os mais essenciais e os outros (de que até posso prescindir). Aleija-me o impacto do ruído nas vísceras primordiais, sobretudo no cérebro – e no fundo nem sequer percebi bem se é da cabeça que vem o ruído. Só quero é dormir, descansar deste cansaço de anos, dormir sem ruído, sem este ruído vindo de dentro. Até posso viver com o ruído existente por fora, mas não com este ruído horrível que exala do fundo do corpo inteiro com um arrepio, como quando o frio das árvores recorta sons agudos ao correr do vento.
É o vento, o Suão, o do Levante, a Nortada e outros que tais. É sempre o vento e o ruído que transporta no imo, a voz que me atordoa por dentro. Um vento translúcido que não sei de onde vem, nem para onde me quer levar, mas sinto-o a prender-me a um estado mental etéreo (e cavernoso), de que não consigo livrar-me, porque não sei ler o mapa da saída, o mapa do canteiro da rosa-dos-ventos. Já inquiri os astrónomos siderais e os geógrafos para-normais, os sábios genéricos da indústria eólica, e nenhum deles me sopra de onde vêm nem para onde vão, ou para onde nos levam, os ventos.
O próprio Senhor D. também ouvia (ouve) os mesmos ruídos, agora não ouve senão ruídos. Não ouve mais nada, só ouve mesmo ruídos, barulhos estranhos, piores que os de um vento qualquer – uma tempestade de ventos. E ainda é sobrevivo. E digo-o não porque ele me tenha dito, mas porque os ouço também quando me aproximo dele.


Joshua M.

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