sexta-feira, 1 de outubro de 2010


A Carta que não te enviarei

Nesta noite de estrelas tremeluzentes, de uma calidez estranha, vejo-me à tua procura, mas não sei onde procurar. Escrevo-te por isso a carta que ficará por enviar.
Sei que não atravesso o teu pensamento nem povoo os teus sonhos de uma noite de Verão. Sei também que tens um peito côncavo, aberto ao calor de quem nele queira morar. Brilha a cor dos teus translúcidos olhos que dizem mais que muitas palavras ditas. E eu esqueço-me nos meandros de umas arestas finas de paredes nuas e frias como se tivesse sido atirada a feras esfomeadas que não reconhecem a mão que as alimenta. Tu surges quando te espero e não menos quando desespero. E, rendida, sinto um paraíso por desbravar no teu ser incógnito.
Dirijo-te estas palavras na ânsia de te reencontrar, como se gritasse em silêncio numa oração laica que reconhecerás. Clamo de novo e de novo até regressares, até sentires que magnetizo mesmo doutro hemisfério. Sentirás o meu chamamento numa noite cálida como esta e perguntarás quem sou. Eu te direi que sou aquela que conhece os teus olhos desde que nasceste e que te escreve cartas que nunca lerás.
Fecha os olhos agora e sentirás os meus nos teus lábios macios por instantes nutridos de emoções com sabor a mar de entardecer.
Espero-te enquanto te procuro entre os lençóis brancos da minha cama.

Até ao próximo olhar.


Berenice Greco

1 comentário:

Manuel Nunes disse...

Belo texto, Berenice. Um lugar entre o paradoxo e o dizer comum. Também o desafio de quem se limita a sentir com o olhar, a forma mais natural de doar a escrita.