sábado, 27 de novembro de 2010

Crónica Benzodiazepina


A anormalidade da norma

Normas. É normal as normas não funcionarem a favor do indivíduo. É normal as normas não funcionarem a favor do colectivo. É normal as normas não funcionarem e ponto. Tudo o que é considerado normal, desde sempre, com as respectivas actualizações da dita “vida moderna” me causam espanto, por vezes asco, revolta e, ou ainda, vontade de rir.
É normal não confiar nos nossos governos, nem nos partidos que lhes fazem oposição. É normal não confiar nas instituições, é normal sentirmo-nos roubados por ambos, nunca, ou raramente, ajudados. É normal não podermos ficar a dever um cêntimo a uma instituição pública, mas é normal, essa mesma instituição, poder ficar-nos a dever dinheiro, ou cometer irregularidades por tempo indeterminado.
É normal as taxas de juro subirem três vezes por ano. É normal o preço do petróleo subir para valores nunca antes pensados. É normal as empresas fecharem e falirem porque os bancos retraem os créditos sem aviso prévio, após incentivarem o uso dos mesmos.
É normal culparem-se os patrões, é normal ficar-se no desemprego.
É normal, uma mulher separar-se e ficar em maus lençóis, caso tenha filhos – ou porque as despesas “reais” da educação dos mesmos acabam por ser suportadas apenas por ela, ou porque os progenitores masculinos passam por “crises de identidade” e vão à procura da sua eterna “juventude”, esquecendo que, quem deixaram atrás, não foi uma mulher, mas sim filhos (claro que com as devidas e respeitosas excepções). É normal vermos miúdos de onze, quinze, dezoito anos, suicidarem-se. É normal pais exigirem dos filhos o que não foram capazes de fazer com as suas próprias vidas. É normal sermos odiados por quem não nos conhece, invejados por quem nos conhece, maltratados por quem nos está mais próximo. É normal desejar-mos fugir. É normal acharmos que o nosso país é o pior de todos. É normal não gostarmos dos nossos poetas, dos nossos actores, dos nossos filósofos e de nós próprios.
Penso que não é segredo ter por hábito perder-me em considerações pouco pragmáticas. Na realidade, não consigo deixar de me espantar com o estado da civilização. Com a forma pouco humana e redutora como nos organizamos, social e economicamente. Não gosto das nossas normas, nem das nossas normalidades. Mas isso, em mim, já é normal.
 
 
Lucinda Gray

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