quinta-feira, 18 de novembro de 2010
O vazio de todos os tempos
Somos todos filhos de um tempo. Reclamamos, em silêncio, todo um vazio, o vazio do nosso tempo, seja o nosso qual for. Apercebo-me da existência e persistência desse vazio que, de forma diacrónica, surge implacável e subtil. O vazio que, inteiro, de pé, surge mudo, estabelecendo-se como referência. Um vazio que de forma reptiliana se opõe à pintura que elaboramos com as tintas das nossas circunstâncias.
Agarramo-nos à história, ao passado, agarramo-nos ao futuro. Prendemo-nos às interpretações políticas e económicas, do nosso tempo e do tempo dos outros, tentando sempre preencher algo que não sabemos exactamente o que é… Silencioso, majestoso e irredutível, contudo passivo, tal como vírgulas num texto, ou aquele pequeno espaço branco que separa as palavras escritas e as ditas também, encontra-se o vazio a rir-se de nós. Criámos deuses para o preencher, demónios também. Colorimos histórias de encantar e monocromatizamos o desencanto, escavando a dor e o prazer, só para o preencher. Podemos ainda ignorá-lo. Podemos ignorá-lo tanto, tanto, que quase acreditamos que ele, afinal, não existe. Podemos respeitá-lo e, deixar assim, o cepticismo e o relativismo apoderarem-se do nosso juízo. Podemos amá-lo e, ao fazê-lo, refinar o nosso humor, enegrecendo-o por vezes, ou tornando-o mais cínico.
O que não podemos é fugir-lhe.
Julguei que esse vazio era meu. Pertencia ao meu tempo. Ao crescer, conheci os meus pais, quem eram eles, antes de mim. Encontrei-lhes o vazio, o deles e o do tempo deles. Os meus filhos cresceram e, eu, conheci-os. Fui surpreendida com o registo desse meu velho amigo, presente também no tempo deles. Pensei para os meus botões, karma familiar! Depois os meus amigos vieram, de todos os tempos… mais velhos, mais novos, alguns até vieram em forma de livro, de prosa. Conheci-os. E ele… sempre lá. Cego, surdo e mudo. Morno. Cão sem dono. O vazio.
Lucinda Gray
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