sexta-feira, 21 de maio de 2010
Viagens (Pela Palma da Mão)
Por nada deste mundo daria a alguém o que ninguém merece, por nada desta vida ensinaria os cantos da minha alma a quem não passa por mim incógnito. Tu tocas-me ao sentir, ao falar da noite e do silêncio, das pausas de vida que somos no esplendor de uma luz inacabada, falas até cair na calma da noite que vem absorver todas as vidas com o silêncio. As maravilhas que inventas sobre as cruzes da estrada são mais do que momentos, são eternos e fugazes momentos, palavras a que ficamos presos pelos nossos lábios sedentos.
Os nossos mais breves prazeres são cortados pela lâmina afiada do tempo vivido, vamos e vivemos e regressamos sem saber de onde vimos. Somos o tempo e não somos. Somos o tempo que morre a cada segundo e somos o prazer de estar, no fim de tudo. Escolhemos outro caminho e voltamos fatalmente ao mesmo lugar. Escolhemos outros lugares e o caminho é sempre o mesmo: todas as direcções têm o mesmo sentido e voar sobre o mundo cansa os músculos atrofiados de quem só pensa em chegar.
Em troca de nada recebemos o espaço que nos deixam livre pela frente, e, para nos libertarmos do viver remanescente, cortamos todas as amarras que nos enrascam a um porto sem marés. Depois abrimos o corpo e atingimos incólumes o cume, oramos, jejuamos, como santos em altares de frigidez. Levamos a mão incerta à tiara que nos cerca a cabeça e nos crava os espinhos na mente e sentimos um prazer vivo, um prazer igual ao da ressurreição dos nossos corpos em fogo. Depois despimos as nosssas ataduras e atingimos maravilhas para lá do que tentamos ser: seres únicos e viáveis.
Por vezes acordamos e não pensamos, em nada, em ninguém, porque nunca somos o que pensamos, mas a refracção da forma como nos vemos e os outros nos vêem. Somos nada e somos tudo, somos a sombra e o vulto que se há-de escapar do invólucro por um fio de ar vital, torrente de vida a escoar-se, lentamente, a escoar-se. É nesse momento, naquele em que não vivemos, que descobrimos o prazer de apenas estar aquém das fossas abissais de nós próprios.
De certa forma, ângulo morto, miramos com os olhos mortificados a tortura de viver cadentes, de nos procurarmos e encontrarmos, sem nunca nos reconhecermos, no espelho da nossa máscara. A vida é sempre o reflexo de nós próprios, a construir-se com pedras lentas desde o fundo do abismo, é o poço onde mergulhamos com escanfandros em busca de uma felicidade eternizada. E, no entanto, sabemos que o afecto mora e não mora no fundo do nosso coração aberto e fechado, está pássaro na palma da nossa mão e nunca foge.
E perguntas-me: quem sou? se sou feliz? E eu digo-te: Sou um anjo breu e talvez, talvez seja feliz quando vivo feto no prenhe ventre das palavras que faço nascer felizes. Sim, talvez seja feliz, quando me encontro comigo próprio no âmago das palavras que vou inventando para me fazer feliz, reinventando-me...
Joshua M
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