sábado, 15 de maio de 2010

Crónica Benzodiazepina


A Líbido Em Carne Crua

Há algo de legalmente libidinoso, e ainda assim passível de ostentação pública, na degustação de um bife com pimenta, ou um steak au poivre, a meio do dia. Em tempos de crise, almoçar fora no dia-a-dia é um luxo. O jantar ganhou em glamour, e em prioridade no rol das coisas supérfluas, o que sobra num orçamento limitado para a rúbrica “comer fora de casa”. Almoçar fora é desperdício, jantar fora é terapia que nos faz bem à alma. Concordo. Que remédio. À noite há mais tempo para tudo e o dinheiro parece mais bem empregue.
Não duvido que em breve adiramos todos à prática de outros países do centro e do norte da Europa, tal como nos EUA, em que se reduziu o período do almoço para meia hora, para comer uma “bucha” e vamos lá despachar o trabalho para ir mais cedo para casa.
Por isso, escaparmo-nos a meio do dia, para esticar a hora de almoço até ao limite obsceno das duas horas e mais um quarto… isso pode ser pecado. E pode ser mortal se comermos um bife ensanguentado, trincarmos as pimentas todas a que temos direito, acompanharmos com um tinto e sairmos do restaurante um bocadinho tontos e a pensar que o dia só pode vir a acabar lindamente, se a meio já vai tão bem…
E assim, enquanto comemos com gula o nosso bife apimentado, descalçamos os sapatos, esticamos os dedos e as pernas, sorrimo-nos, sentimos que a nossa líbido é maior que a da vizinha e, sobretudo, que a dos colegas que ficaram no refeitório ou levaram a marmita com o resto do jantar.
Não me espantaria, pois, que dentro de algum tempo, “um bife com pimenta por mês, ao almoço” comece a integrar a ementa das prescrições dos médicos da psique…

A.S.

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