A Minha Segunda Mãe
Quando nasci, não era suposto ser a hora de nascer. Nasci antes do tempo e de certa forma extraordinariamente contrafeita. O resultado era previsível: uma bebé difícil. Recusava-me determinantemente a comer. A minha mãe, que tinha ficado num estado físico deplorável, contava com a preciosa ajuda da “Lalá”, empregada para todo o tipo de serviço e ama das suas cinco filhas. Lembro-me do suplício, uns anos mais tarde, de passar horas a fio em frente a um prato de sopa, com a Lalá, que ora dançava, ora brigava, ora contava histórias e, quando esgotava quase todas as artimanhas, recorria ao último trunfo que tinha na manga: lá bem do alto da sua enorme generosidade e empenho, atirava-se para o chão como se fosse um saco de batatas e encenava uma morte eminente, caso eu não engolisse umas quantas colheres de sopa. Lembro-me que a olhava incrédula, ali estirada no chão, a tremelicar, enquanto balbuciava: “ai, Jesus! Tem de comer a sopa, senão eu morro!”
Os seus timings eram perfeitos, porque arrastava a farsa até o meu cepticismo ceder e quase perto do choro eu lá ia emborcando umas quantas colheres da odiosa mistela - não fosse o diabo tecê-las e eu ficar mesmo sem a minha preciosa Lalá. A semana passada recebi uma chamada do lar de idosos onde vive actualmente. Com 87 anos, deu entrada no hospital com uma grave infecção da vesícula, tendo sido operada, com elevado risco de vida. Enquanto decorria a operação, eu e a minha mãe aguardávamos na qualidade de familiares numa pequena sala perto do bloco. E não pude deixar de dar por mim a dizer para mim mesma: “Eu como a sopa toda, Lalá! Não morras!”
Lucinda Gray
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