sábado, 22 de maio de 2010
Crónica Benzodiazepina
Fado Vadio
Se em tempos fui requiem, hoje sou tango. Não um tango daqueles todos aprumadinhos de salão, mas daqueles vadios que nascem das ruas infectas de Buenos Aires. Mozart que me perdoe, mas sabe tão melhor. Não quero ser uma Amália, empalada em vida por um povo que, ainda lhe batia o coração, já andava a talhar com o seu machado as tábuas do seu caixão. Por favor… não!
Viva o Bocage e deixem lá dormir o D. Sebastião, que descanse em paz! Canseira. Já não basta esperar quando temos de ir ao dentista ou quando aguardamos pelo reembolso das finanças? Detesto esperar.
Não sei por que raio essa coisa da “dor” haveria de ser portuguesa! Dêem-lhe outro nome. Paixão, sonho, loucura, visão, audácia, esqueçam a dor! Afinal não contamos nós com esses outros condimentos no nosso tempero? Dêem tréguas à maldita dor e parem de cortar os pulsos a torto e a direito que ainda me sujam o umbral da porta. Sim, escolho outra visão, outro sentimento, mas sou portuguesa, com certeza!
Lembro-me quando em miúda ia para Paris de comboio. Viajava com emigrantes, simples e calorosos, alegres, muito alegres e brejeiros. Acabavam por ser sempre uma festa aqueles dois longos dias de viagem.
Isso é Portugal. Portugal profundo, aquele que apesar de se ver obrigado a partir, a trabalhar onde os cidadãos do país que os acolhe se recusam, come alegremente queijo com banana, num piquenique improvisado no corredor de um comboio por entre chalaças e uns golitos de tinto. Era como se não pedissem mais nada a Deus.
Crise? Nós, portugueses, sempre vivemos em crise. No “tempo da outra senhora”, nem se fala! Não é por isso que a boa da açorda é um prato tipicamente português? De onde pensam que ela nasce senão da fominha negra?! Éramos menos risonhos por isso? Não. Agora, apesar da crise temos mais coisas, muito mais coisas, acreditem. Por isso, há que limpar o ranho, encher o peito e vencer o dia! Viva a necessidade, se dela nascer o engenho. Viva a criatividade!
Lucinda Gray
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