quarta-feira, 21 de julho de 2010


Deuses de papel

Esta noite tive um sonho doloroso. Não direi um pesadelo, mas doloroso. Sonhei que um animal de estimação havia morrido, trespassado por uma estatueta que recebi como prémio de imprensa escrita em 2008. O pequeno animal abraçava o objecto tendo sido obturado por uma saliência angular do mesmo. Jazia assim sob um berço de criança. Chorei e tudo, enquanto dormia. Ao acordar, a imagem do pequeno bicho não me abandonava o pensamento. De forma clara e distinta, visualizava-o com o pêlo em remoinho suado, pequeno e já frio. Com ele ao colo, inerte, mostrava-o em desespero aos meus pais, presentes na penumbra. Estupefacta, comecei a tentar decifrar esse sonho mirabolante. Bebi dois cafés, deambulei de um lado para o outro, fumei dois cigarros, dei uma limpeza à casa… e a imagem sempre lá, com textura e tudo. Subitamente, cheguei a uma conclusão. Vou cometer um assassinato. Literário claro. Matarei deliberadamente e literariamente algo ou alguém que foi alvo dos meus afectos. Esse é o poder da escrita, mais forte do que qualquer arma. Aqui, a preto e branco, com pequenos e concisos movimentos dedilhares, matamos, renascemos, damos vida e morte. Somos pequenos deuses do papel, mesmo que virtual. Resta-me dizer que o referido bicho era um rato cinzento. Sempre gostei de ratos. Fazem-me lembrar esquilos, nervosos com olhos inteligentes. Não que os queira em casa, já aprendi o suficiente para não o desejar. São uma praga. Mas gosto desses pequenos animais. Esta noite, morreu um.
  
Lucinda Gray

1 comentário:

Ulisses Coelho disse...

De fato a escrita é uma arma das mais agudas!!!

Costumo usá-la de alguma forma, nao sei se é a mais corretra, mais uso. O que o escritor faz é escrewver, nao necessariamente ele sabe escrever... contudo, escreve.

Tenho um blog onde comento filosófica-ébriamente notícias non sense...

Parabéns pelo blog!!!

Ulisses Coelho
http://filosofossuicidas.blogspot.com/