segunda-feira, 12 de julho de 2010

SETE DIAS SETE PECADOS - A VAIDADE (II)


Dorian Gray 2.0
ou
É tudo feito com espelhos

Aqui, o espelho retrovisor do seu automóvel. Ali, uma montra de uma loja. Mais adiante, o seu reflexo num espelho aleatório fixado a uma coluna por um decorador sem talento.
Como um narciso dos tempos modernos, Dorian não perdia uma única oportunidade de se perder no seu próprio reflexo. Apaixonado pela sua imagem que esculpiu meticulosamente até ao mais ínfimo pormenor, Dorian exigia dos seus espelhos o mesmo que exigia de si mesmo – a perfeição.
Mas não eram apenas os espelhos que Dorian usava para elevar o seu ego. Os outros seres humanos tinham a mesma função. As suas conquistas amorosas duravam apenas enquanto as suas vítimas estavam seduzidas e extasiadas pela sua perfeição física. Quando o efeito desse filtro se sublimava, era altura de passar à próxima.
No dia em que tudo mudou, Dorian entra no arranha-céus onde trabalha sentindo-se como uma pantera que caminha entre ovelhas. Pelo caminho sente um odor que lhe lembra o seu único calcanhar de Aquiles, o tabaco. Mas não será por muito tempo. O seu melhor amigo, Paul Whitehouse, dos recursos humanos é psicólogo e está a usar hipnoterapia para o livrar desse vício maldito. Sugeriu também utilizar o mesmo método para abordar a sua personalidade narcísica, mas apenas essa sugestão foi o suficiente para Dorian se enfurecer e não lhe falar durante duas semanas.
No elevador, também este com um generoso espelho, Dorian executa quase automaticamente os olhares e gestos necessários à manutenção permanente da sua beleza natural. No entanto, este espelho é diferente dos demais. Este não lhe devolve a imagem de beleza perfeita que ele sabe que tem, mas antes uma imagem quase perfeita, marcada que está por ínfimas rugas de expressão ao redor dos olhos.
Dorian sente o equilíbrio a fugir-lhe, substituído por uma náusea que o faz perder momentaneamente a habitual dignidade do seu porte.
Lembrando-se que não está sozinho no elevador, Dorian assume novamente o leme do seu ser, guiando-o na direção do seu escritório onde lançará luz sobre este estranho fenómeno.
No refúgio deste santuário, Dorian dirige-se à sua casa-de-balho privativa e mais uma vez contempla a sua imagem.
Desta vez, o resultado é dantesco. A sua pele não tem apenas rugas de expressão, está completamente destruída e rugosa como se este tivesse trabalhado uma vida inteira sob um sol ardente. O seu nariz, quase perfeito por natureza e perfeito por engenho humano, era agora uma triste réplica de uma nariz de palhaço, abatatado e vermelho. Os seus olhos, que outrora brilhavam com personalidade e espírito, pareciam agora mortos como os de um peixe. Até os seus dentes, sempre branqueados para contrariar o efeito do tabaco, estavam agora amarelos e apodrecidos.
Descrente, Dorian molha as mãos e a cara, passando as mãos molhadas pelo cabelo, apenas para descobrir que a calvície chegou lá primeiro.
O desespero é atroz, neste cenário que parece saído da quinta dimensão.
Só há uma pessoa em todo o mundo que Dorian permitiria que o visse assim. Paul Whitehouse. Pega no telefone e, com as mãos tremidas, começa a carregar nas teclas. Após algumas tentativas frustradas pelo pânico, consegue finalmente chamar o seu anjo salvador.
Paul abre a porta do escritório para encontrar um coelho que caminha entre raposas.
“Tem calma Paul. Sou eu, o Dorian. Não sei o que me aconteceu!”
“Claro que és tu Dorian. Não esperava outra pessoa.” disse Paul.
“Então tu vês-me como eu sou?” disse Dorian com um raio de esperança.
“Claro que vejo. O que é que tu tens hoje?”
“Tu não vais acreditar nisto, ou se calhar até vais, não sei, se calhar a psicologia explica isto. Mas hoje, quando me vi ao espelho, vi a imagem de um homem horrível, com a pele rugosa, careca, dentes amarelos, e um nariz que parecia todo ele uma verruga sangrenta.”
Paul pareceu ficar paralisado, a face congelada numa expressão de absoluto espanto. Quando finalmente conseguiu falar disse “Mas Dorian, esse és tu!”
Dorian passou de imediato da negação à raiva. “O que queres tu dizer! Eu não sou esse. Eu sou perfeito. Olha!” E arrancou da sua secretária uma fotografia sua, apenas para descobrir que a sua imagem estava tão grotesca quanto o seu reflexo.
Dorian largou a moldura como se esta estivesse a arder. Esta caiu ao chão e, porque as molduras não têm sentido do dramático, não se estilhaçou.
“Isto é impossível.” disse Dorian. “E as mulheres que eu conquistei, lindas todas elas.” Tira o seu telefone e procura imagens da sua última conquista, apenas para contemplar uma mulher que faria a Susan Boyle parecer Helena de Tróia.
Paul diz então “Tem calma. Eu vou só ali despachar uma entrevista e já volto. São dois minutos, não faças nada” – e sai do escritório.
Dorian arremessa o seu telemóvel contra a porta do escritório, fechando-a, trancando-a em seguida.
Ele sabe o que tem de fazer. Na gaveta de cima da sua secretária está uma pistola. Não foi ele que a pôs lá e não sabe como lá foi parar, mas ela é a solução dos seus problemas.
Paul Whitehouse está sentado, sozinho, no seu gabinete quando ouve um único disparo. Encosta a cabeça na sua ampla cadeira ao mesmo tempo que um sorriso maquiavélico lhe toma conta do rosto. “Eu bem te disse que com a hipnoterapia deixavas de fumar; de fumar e de foder as mulheres dos outros!”
 
 
Jonathan Strange

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