domingo, 18 de julho de 2010

SETE DIAS SETE PECADOS - A LUXÚRIA (II)


Antília - Princesa da Atlântida (II)

Silvano andava há séculos feliz e tranquilo pelas margens da lagoa verde. Como se vivesse num eterno estado de graça, num sono por vezes morno, como o deve ser o de um guerreiro do amor após longos e lânguidos momentos de prazer. Nada temia, Antillia, a cada amante escolhido, comprovava o seu eterno amor por ele, por ele, Silvano e por mais ninguém. Cada um de seus amantes, correspondia ao seu reflexo. Peles claras, ligeiramente doiradas pelo sol, corpos robustos, próprios de homens que vivem no campo, olhos esverdeados. De cada um deles, por osmose, recebia um intenso prazer proveniente das carícias dedicadas de Antíllia, deleitava-se com a procura dos seus lábios, sôfregos pela exacta cópia dos seus. Via com ternura a forma doce com que os mandava embora, aqueles corpos satisfeitos, amados em seu nome, ou porque alguém com maior semelhança a despertava para outra cruzada, ou porque o próprio tempo, que por ela nunca passava, desvanecia os seus sinais no corpo cansado do seu ultimo amante.
Mas um dia algo mudou. Sentiu-se inquieto e no meio da harmonia dessa sua segunda vida, a inquietude revelava-se como um profundo murro no estômago. À beira da lagoa e nos braços de sua amada, um homem moreno, de olhos profundos, amendoados, beijava-a de forma intensa. Antillia parecia estranha, talvez confusa, mas não desagradada. A volúpia com que tocava naquela pele mate e bronzeada, passeando as mãos ao longo daquelas costas bem delineadas, mostravam-lhe claramente o contrário. Não compreendia o que se estava a passar, aqueles beijos que a sua eterna amada oferecia àquele estranho, não os conseguia sentir, não lhe eram oferecidos a si, não eram seus. Uma onda espuma, enraivecida, inundava-lhe o corpo, veneno em vez de sangue atingia-lhe o cérebro, turvando-lhe em pleno o raciocínio – “Zeus!” – Gritou. Mas, o deus dos deuses não lhe respondia.
Zeus ouvira-o, há muito tempo previra este dia, conhecia a origem daquele uivo. Sabia bem de que veneno nascera. Algo tão simples quanto uma pequena gota do seu próprio odor. No dia em que resgatara Antillia das águas frescas da lagoa, não resistira à sua beleza e transmutado em Silvano, beijara-a devolvendo-a a uma vida edílica mas condicionada. Contudo, cometera um pequeno erro, não sabia se consciente ou inconscientemente, dera por isso pouco depois, mas tarde de mais. Embora todo o seu físico fosse exactamente igual ao de Silvano, envolvia-o o seu cheiro pessoal, suave, subtil, revelando o embuste. Claro que Antillia não se tinha dado imediatamente conta desse detalhe. Mas aquele beijo, o que a resgatara da água e do desgosto, havia sido marcante e determinado a procura de todos os outros. Procurara e encontrara amantes que haviam feito reviver o seu amado pastor, deus dos bosques e do vulcão. Silvano havia reaparecido, ora aqui ora ali, e ao som da sua flauta havia materializado o seu amor por longos e longos anos. Contudo, amante após amante, a busca de Antília refinara-se. Curiosamente, de corpo em corpo, começara a entusiasmá-la as pequenas diferenças: o lábio inferior mais generoso de um, o pequeno desvio do nariz de outro, o sinal nas costas de outro ainda, um pescoço mais alongado e robusto. Não sabia bem porquê, subitamente, já não era realmente a semelhança que a movia mas sim a diferença. Aquilo que fazia com que um corpo fosse único. Essa tendência fora-se acentuando, lentamente. Até que num último corpo, tão igual ao de Silvano que tivera dificuldade em encontrar uma ligeira diferença, sentira -se, pela primeira vez, triste.


Lucinda Gray

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