quarta-feira, 14 de julho de 2010
SETE DIAS SETE PECADOS - A IRA (II)
A Ira dos Amores
Depois começámos a fumar as beatas que restaram da noite anterior no cinzeiro. Também deixámos de almoçar, e de jantar tarde, como fazíamos, prolongando a noite com medo de adormecermos e estarmos aquelas horas todas sem poder conversar e olhar olhos nos olhos. A nossa sobrevivência, aquilo que verdadeiramente nos impediu de morrer, deveu-se a idas ao frigorífico sem regras, para comer as sobras de um tempo em que elaborávamos menus com muitas calorias que rapidamente consumíamos.
Andámos anos a gerir a raiva, meu amor isto, meu amor aquilo, e quando estávamos zangados íamos para a varanda sozinhos ou dar uma volta com os amigos, ou às compras. Eu passava a vida nas compras. Por isso comprei tantos sapatos vermelhos. O vermelho é a cor da revolta contida, disse-me a minha terapeuta. Fez-me lembrar aquela história da menina dos sapatos vermelhos enfeitiçados que a forçaram a dançar sem parar e que a levaram ao esgotamento físico.
Naquela noite não sei o que aconteceu, mas fizemos sangue. Até me incharam os lábios. Tu ias ficando sem cabelo. Chamámo-nos nomes feios, quando nos achávamos tão bonitos. Foram demasiadas compras, demasiadas festas, demasiados conhecidos, demasiadas fugas e demasiado sexo de uma noite muitas noites seguidas. Mais fodas, menos amor. E assim até comprei o livro “Mais Platão, menos Prozac”, a ver se a filosofia me salvava.
Na descoberta da ira descobrimos aquilo que sempre tememos – o nosso avesso. Aquelas costuras mal feitas que sempre quisemos esconder por baixo da roupa de marca.
Depois começámos a fumar as beatas que restaram da noite anterior no cinzeiro.
Meu amor, vai-me comprar tabaco que eu depois passo no supermercado quando vier do trabalho.
Ana Santiago
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