domingo, 18 de julho de 2010

SETE DIAS SETE PECADOS - A LUXÚRIA (I)


Antília - Princesa da Atlântida (I)

Viajava Zeus pelo Reino da Atlântida quando, assolado pela sede da jornada e embevecido pela soberba paisagem de que desfrutava, resolveu descer até ao fundo de uma cratera onde havia duas lagoas quase geminadas: uma, corada de azul turquesa, e outra, completamente verde. Num relance do olhar, escolheu a azul, na esperança de que a água fosse mais fresca.
Mas, ao abeirar-se da lagoa azul distinguiu nela reflectida um homem que chorava. Não estava ninguém ao lado da lagoa, no entanto a sua figura aparecia reflectida na água. Sem perceber a origem do vulto, aproximou-se da margem da lagoa, até chegar à linha de água e notar que o homem habitava as suas profundezas. Fitou então o infeliz homem por um pouco e, com um ar apiedado, perguntou-lhe: que fazes aí? por que choras assim?
O homem contestou de olhos baixos: Sou Silvano, um simples pastor apaixonado! Perdi um amor... E assim desfiou, uma a uma, todas as suas mágoas: relatou-lhe como havia caído no doce engano de se
apaixonar por uma princesa, com quem passava tardes cálidas correndo pelos campos, tocando flauta e folgando. Assim foram felizes até que, um dia, informado sobre a paixão do pobre pastor e de sua filha, o velho rei destes reinos mais não fez do que proibi-los, para sempre, de se olharem sequer, pelo resto das suas vidas. Conhecedores da cruel sentença, os amantes recolheram-se à tristeza e ao choro, um de cada lado da enorme cratera de um vulcão extinto, ambos deslavados de pena e sulcados de lágrimas. Lado a lado, cresceram assim as duas lagoas: os olhos verdes dela esgotaram-se num grande lago de cor verde; os olhos azuis dele derramaram os desgostos, deixando escorrer uma vasta lagoa azul. De tanto carpirem, os desafortunados amantes imergiram na água das lagoas que eles próprios choraram e não mais voltaram a ser vistos.
Contudo Zeus, conhecido como um deus severo e caçoador, desta vez, comoveu-se com o destino do pastor Silvano, que seguia habitando a lagoa, e resolveu conceder-lhe um desejo. Num tom grave inquiriu-o: vou conceder-te um desejo, o que quiseres... porém presumo que queiras que eu te devolva a vida!? o que não te censuro. Mas, o pastor, em pronta resposta lhe contestou: Para que quero eu a minha vida se ela nada vale sem a vida daquela que amo? A mim, bastar-me-ia ver a minha amada correr feliz pelas margens da lagoa para o resto da minha além existência, para me sentir satisfeito. Condescendente com o pedido do pastor, Zeus rematou: Assim farei, darei vida à tua amada e uma vida eterna e feliz, mas ela só poderá ser feliz neste lugar e tu terás de suportar a sua felicidade. No entanto, pela tua sinceridade, concedo-te a graça de seres um dos preferidos de Pan e devolvo-te a flauta, com ela encantarás a tua amada nas tardes em que ela se vier deleitar com o sol e a água nas margens da lagoa. Tal como a tua amada, ficarás eternamente preso a estas margens, apascentando um rebanho na companhia das ninfas, condenado a vê-la ser feliz, sem lhe poder tocar. E prossegue: De cada vez que caminhares pelas margens da lagoa sob os teus passos brotarão margaridas, a flor que entrançavas nos seus cabelos quando furtivamente se viam por estes campos.
Depois de concedida a graça da vida ao padecente pastor, Zeus prosseguiu o seu caminho e deixou o outrora infeliz pastor dançando e soprando cantigas, sem caber em si de felicidade. A alegria com que pinoteava e aflautava melodias pelo ar contagiava as ninfas que bailavam em seu redor e, em séquito, todos iam andando para a lagoa vizinha. Zeus, que voava sobre os homens, chegou primeiro. Com um sopro encrespou o espelho da lagoa, fazendo com que a bela princesa viesse à tona de água. A visão da sua beleza extasiou Zeus que, como é sabido, sempre ofereceu poucas resistências aos encantos de uma bela mortal. Sabedor das artes do engano, o manhoso deus dos deuses de imediato se transmutou no desdito pastor e, fazendo-se passar por ele, beijou-a nos lábios com fervor. Ela abriu os olhos e reconheceu de imediato o rosto do seu amado, mas, antes que pudesse dizer uma palavra que fosse, Zeus pousou a mão sobre a sua boca e falou-lhe docemente: Sou o teu amado que volta das profundezas, agora condenado a ser um eterno pastor e a viver com as ninfas, contudo não mais vou deixar de velar pela tua felicidade e de soprar na minha flauta as mais belas melodias que já se ouviram nestas paragens. Aqui estarei eternamente para te receber quando vieres...
A princesa Antília vive agora feliz e realizada, vagabundeando pelas sete cidades em redor, sempre em redor da lagoa. Passa os dias contando histórias aos mais novos e, por malas artes de Pan, tornou-se a divina amante de todos os pastores que vagueiam pela região. E desde então, quando pela tarde por vezes a princesa vem, de mão dada com um novo amante, e se rebolam em suculentos beijos e cálidas invasões sobre a relva e as margaridas, o pastor chega risonho a acolhê-los com o seu séquito de ninfas e faz soar a flauta. Quando ela se despe para cada amante e ele para ela, abraçados em ânsias, embalados pelo doce assobio da flauta e acicatados pelas ninfas que dançam nuas em seu redor, dão-se até ao último fôlego, até ao cair do dia. E todos, ninfas e pastores, se despojam do corpo numa amálgama de corpos, num transe colectivo, prestando culto a Pan.


Joshua M.

Sem comentários: